Raul Cânovas: paisagista argentino que adotou o Brasil diz que bem-estar está acima da beleza
Quando o assunto é paisagismo a estética dos harmoniosos jardins vem logo à cabeça da maioria das pessoas. Mas para o veterano paisagista Raul Cânovas um projeto vai além do belo. Aos 73 anos de idade e 60 de carreira, o argentino radicado no Brasil desde 1970 conduz seu trabalho, que já soma 3 mil projetos, buscando resgatar o bem-estar e conforto que estes ambientes de contemplação e reflexão tiveram no passado.
“Meu trabalho não intenta meramente a estética. Minha missão é devolver um pouco da felicidade perdida. Resgatar um pouco do que fomos perdendo ao longo dos anos […] Os jardins sempre tiveram muita importância na vida do ser humano desde tempos remotos. O que faço é fazer as pessoas se sentirem melhor nesses ambientes”, diz Cânovas, que define seu trabalho como mais emocional e menos estético.
Nascido em Buenos Aires e filho de paisagista, se apaixonou pelo Brasil quando começou a frequentar o país como turista. Mesmo com uma carreira bem-sucedida na Argentina, não hesitou em deixar sua terra natal e mudar-se para cá, principalmente depois de incentivado pelo maior nome do paisagismo nacional. “Sempre fui encantado pela receptividade do brasileiro e o clima do país, mas foi Burle Marx quem deu o empurrão final quando me convidou para trabalhar com ele no Rio de Janeiro”, revela.
Uma das grandes preocupações de Raul é a importância que o paisagismo tem para a construção do bem-estar de uma sociedade. “O paisagista tem de procurar algo que traga solução para o impacto urbano, pois podemos conduzir a sociedade ao paraíso perdido. O que tem ficado claro é que o mundo fora dos centros urbanos nos deixa felizes”. Por isso, mesmo apaixonado pelo Brasil, não poupa críticas quando se refere ao pouco apreço dos governantes brasileiros com a questão. “Não vou falar nem da Europa, o Brasil está muito atrasado em relação a países como Chile, Argentina e Uruguai. O que fica claro é que a arborização urbana tem importância superficial na agenda dos prefeitos. E o pouco que se faz se faz é pensando no lado estético e não nos muitos benefícios”, desabafa.
Cânovas desaprova também como os chamados paredões verdes estão sendo construídos em metrópoles como São Paulo. “No Brasil não é tendência, é modismo”, afirma, categórico. “Paredes verdes não são novidade no mundo, seus objetivos são levar conforto acústico e climático pra ambientes internos de grandes cidades. O que se fez na 23 de maio, por exemplo, tem apenas objetivo estético, apesar de haver exceções em muitos projetos, é claro. E se a questão era estética, para isso já tínhamos os grafites”, avalia o paisagista, referindo-se ao chamado corredor verde instalado pela gestão João Dória (PSDB) na Av. 23 de maio, importante via da capital paulista.
Apesar do vasto portfólio, o paisagista diz que o mais importante é aquele que consegue levar algo a mais a quem usufrui do espaço. Nem sempre é uma residência, mas um hospital ou ambientes corporativos. “Não existe nada mais relaxante que as pessoas durante o almoço terem a oportunidade de contemplar um espaço verde com flores, isto é revigorante”.
Em primeiro lugar, antes de se fazer um jardim é preciso saber o objetivo do cliente com esse espaço. Segundo o profissional, não basta fazer por fazer. Um jardim sensorial, por exemplo, exercita quatro dos sentidos do ser humano: o tato, por meio de espécies com texturas variadas; a audição, a partir do canto dos pássaros ou barulho das águas; o olfato, devido ao perfume de algumas espécies, além da visão do todo e das cores em geral.
Apaixonado por seu trabalho, Raul Cânovas segue na ativa sem planos de aposentadoria. Além dos projetos paisagísticos, investe na carreira de escritor colaborando para jornais, blogs e revistas especializadas no tema. É autor de dois livros, “O Jardim como Remédio” e “Um Jardim para Sempre”, e ministra cursos e palestras sobre paisagismo em todo o Brasil.