#Club&Casa Home – O trabalho com alma de Maria Fernanda Paes de Barros, designer e artista plástica à frente do estúdio Yankatu

A criativa nasceu para fazer projetos em parceria com artesãos, prezando tradições e identidades.

Texto: Angela Villarrubia
Fotos: Daniel Freire (retrato), Fáustulo Machado, João Bertholini, Juan Guerra, Lucas Rosin, Marcelo Oséas, Marco Antonio e Reinaldo Ortlieb/Divulgação

Maria Fernanda Paes de Barros e sua primeira criação, o bufê Tribos, em madeira imbuia maciça. A peça ganhou pingentes feitos com bandoleiras indígenas da etnia Nambiquara.

Maria Fernanda Paes de Barros é apaixonada pelo extraordinário artesanato brasileiro. Tanto que ela o ressalta e valoriza em cada uma de suas obras, e sempre com uma perspectiva respeitosa: divide a relevância de sua atividade de forma equivalente à do labor dos artesãos que compartilham suas habilidades e saberes para a confecção de cada peça de sua autoria. “Hoje há muitas pessoas que trabalham com estes artífices, mas isso não pode ser entendido como uma tendência. São vidas, pessoas, famílias, tradições, histórias… É algo maravilhoso que passa de geração em geração e não vai mudar com a moda no próximo verão”, ressalta. Ela está à frente do estúdio Yankatu, essa palava mágica da etnia indígena Kamaiurá, que acredita que as pessoas nascem com três almas: a que herda do pai, a da mãe e, a terceira, a sua essência, o yankatu.

Administradora de empresas por formação (FMU), logo correu atrás de suas inquietações criativas e cursou design de interiores na FAAP e na Escola Panamericana de Artes. Mas, em 2013, ao ter uma estafa, deu uma virada em seu percurso: retornou à Panamericana, mas desta vez para estudar design de mobiliário. “Ali encontrei a minha essência”, relata a profissional. Interessada pela cultura indígena desde sempre, assinou sua primeira peça quando ainda era estudante: o bufê Tribos, que acabou por direcionar sua carreira. Depois dessa criação, passou a trabalhar de forma diferenciada, viajando para fazer pesquisa de campo junto a alguma comunidade, com material e técnica diferentes todos os anos. Cada resultado é precedido de várias locomoções, vivências com os mestres dessas paragens muitas vezes recônditas e muita troca com as populações locais, colocando-se no lugar do outro.

A primeira dessas experiências foi a convite de Mayumi Ito, diretora do projeto Amaria (de resgate dos saberes artesanais), em Muzambinho (MG), que resultou na exposição “Fio da Meada”, no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo (SP). Maria Fernanda e outras três profissionais foram até a cidade mineira, na qual pesquisaram o tear manual e a utilização do fuxico. Ao lado da artesã Zana Maria, da Casa da Zana, a ação resultou na luminária Ipê, que logo se desdobrou em outros modelos e
cores, e no banco e prateleira Memória.

A atividade junto a aldeias indígenas, povoamentos ribeirinhos ou grupos de mulheres derivou não apenas em trabalhos ricos em brasilidade, como em um aprendizado pessoal que é exemplo para outros atores do setor e para a sociedade em geral.

Maria Fernanda é filha de uma professora, de artes e música, de escola pública. Ela a acompanhava em suas aulas, confeccionado, por exemplo, instrumentos com tampinhas de garrafas, para fazer um chocalho. Por outro lado, seu pai, que era bancário, “cumprimentava todas as pessoas. Colocava-se de igual para igual”, diz a designer, ao recordar as raízes que deram embasamento a sua trajetória.

Entre suas lembranças mais marcantes, narra a ida ao Xingu (AM), que resultou em uma coleção homônima, de onde nasceu o balanço Kaupüna; ao sul da Bahia, a uma comunidade Pataxó, para buscar o artesanato e a história do Brasil pelo olhar indígena; e à cidade do México, onde desenvolveu, em uma agitadíssima semana, a serpenteante luminária Quetzalcoatl, em papel cortado, ao lado do mestre Sergio Hernández (veja a peça na nossa capa). Afinal, a alma não tem fronteiras.

O delicioso balanço Kaupüna, da coleção Xingu, confeccionado por Kuyawalu Aweti com fios trançados de palha de buriti e algodão, e madeira maciça pintada com carvão e resina de ingá por Kulikyrda Mehinaku, na aldeia Kaupüna, no Xingu (MT). O algodão foi tingido pelo ateliê Mattricaria, em Brasília (DF).
Trançada por artesãos da comunidade ribeirinha de Urucureá (PA), a impactante cadeira Cocar, da coleção Alma Raíz, em madeira maciça cabreúva e palha de tucumã com tingimento natural.
Em cedro rosa maciço, a cômoda Rococó foi entalhada por Rondinelly Santos, em Tiradentes (MG). “O desenho fluído das volutas e folhas de acanto ganha vida por meio do entalhe e perpassa as cinco gavetas,
unindo-as sutilmente”. Da coleção Artesãos, “o ouro que aflora pelas mãos”.
Armário Oca, em madeira cabreúva maciça, talos de buriti tecidos e fios de
algodão tingidos (pelo ateliê Mattricaria), com matérias-primas colhidas nos
arredores da aldeia Kaupüna. Esteira de talos com trama feita por Yaritsu Waura, Kayanaku Aweti, Kuyawalu Aweti, Pakuiura Mehinaku, Paipualu Mehinaku, Wayuni Mehinaku e Kuyawalu Mehinako.
Luminária Ipê, inspirada na florada da maravilhosa árvore homônima, que também cede sua madeira para a base. Fuxicos e revestimento da cúpula,
Zana Maria (Casa da Zana); tingimento natural, Maria Santa; tear manual,
Tecelagem Santa Edwiges. Feita em Muzambinho (MG). Coleção Ipê.
Com cinco nichos, a estante giratória Contas é em madeira maciça cabreúva e contas de cerâmica feitas por Deuzani Gomes dos Santos, pintadas em quatro tons diferentes por Gil e Marcilene, todos do Vale
do Jequitinhonha (MG). O algodão orgânico é fornecido por pequenos agricultores de Campina Grande (PB). Da coleção Registros do Tempo.
O bufê Abrigo está inspirado na arquitetura das ocas. Em madeira cabreúva maciça, com cascas e folhas das árvores e palmeiras utilizadas na construção das ocas e na produção do artesanato na aldeia Kaupüna; tingimento do algodão, ateliê Mattricaria. O pendente Halo, da coleção Filhos da Terra, resultado das viagens da designer à aldeia Pataxó Barra Velha (BA).
Maria Fernanda aprendeu a tecer uma esteira com talos de buriti por meio de aulas em vídeo com as mulheres da aldeia Kaupüna. O resultado foi uma mescla de aparador e escultura, ou seja, a obra Caminho: Meu, Seu, Nosso. Em madeira jequitibá, tem fios de algodão tingidos com cascas e folhas de árvores por Maibe Maroccolo, do ateliê Mattricaria; Guto e David fizeram a marcenaria.
Em madeira maciça freijó, o banco Memórias tem tecido confeccionado em tear manual pela artesã Maria Auxiliadora, na Tecelagem Santa Edwiges, em Muzambinho (MG).
A mesa de centro Beiju, em madeira cabreúva maciça e colares de miçangas – tradicionalmente utilizados em rituais – confeccionados por Kayanaku Aweti. Coleção Xingu.

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